Não precisa de muita nicotina para alterar o cérebro de um adolescente
Dois estudos recentes sobre o tabagismo me chamam a atenção. Um deles, realizado pelo biomédico Paulo Roberto Xavier Tomaz na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) demonstra que determinadas variantes genéticas —que nós chamamos de polimorfismos — podem favorecer demais a dependência à nicotina.
Ou seja, quem tem os genes CHRNA 2, 3 ou 5, por exemplo, não precisa fumar muito, nem com tanta frequência para se ver totalmente enredado na vontade incontrolável de acender mais um cigarro. Essa bagagem genética também dificulta bastante as coisas quando o indivíduo decide largar o vício.
A constatação de existir uma dependência genética, por assim dizer, poderá ajustar no futuro as estratégias de prevenção — afinal, devemos ficar ainda mais de olho em quem carrega esses polimorfismos — e até mesmo o tratamento do tabagismo. Se interromper essa dependência nunca é fácil, a missão passa a ser complicadíssima quando encontramos esses genes.
Mas, do meu lado, como hebiatra ou médico especializado em adolescentes, acho interessante a gente notar que isso derruba argumentos que ouvimos com frequência dos jovens —aqueles na linha do "só fumo quando vou à balada" ou "nunca fumo, só peço um cigarro ao meu amigo se estamos tomando uma cerveja". Ouvir esse tipo de coisa, essa garantia de que o cigarro quase nunca é aceso, soa tranquilizador para muitos pais. Só que isso pode ser um grande equívoco. A gente nunca sabe quem carrega um gene CHRNA 2, por exemplo.
Nem vale, então, um garoto ou garota se comparar ao amigo que, de fato, consegue fumar só de vez em quando. Com ele ou com ela, por razões genéticas, a história poderá ser completamente diferente. Simplesmente experimentar o poder nicotina talvez já seja o suficiente para que ela mostre suas garras. E elas são poderosas mesmo. Até para fazer estragos.
Isso tem a ver com o outro trabalho que mencionei no início. Ele foi publicado no volume 4 da Revista de Biologia Psiquiátrica. O estudo acompanhou jovens de apenas 14 anos que, infelizmente, já estavam começando a fumar, ainda que tragassem muito pouco. Eles passaram por exames de ressonância magnética para checar a imagem do cérebro, testes de personalidade e, também, neuropsicológicos. Essa bateria foi repetida dois anos mais tarde, quando eles completaram 16 anos.
O que se notou na segunda leva de exames foi o seguinte: a anatomia cerebral de todos os jovens estava alterada em três regiões, isto é, no córtex pré-frontal envolvido com a tomada de decisões, em uma área chamada ventromedial e, ainda, os pesquisadores encontraram diferenças no chamado corpo caloso, estrutura que divide os dois hemisférios da massa cinzenta.
Vale eu repetir: essas alterações não apareciam antes, quando a garotada mal tinha começado a fumar. E o mais assustador: elas apareceram até mesmo quando a exposição à nicotina era muito, muito baixa. Ou seja, até aquele adolescente que fuma só de vez em quando termina com a anatomia da sua massa cinzenta completamente modificada.
Ninguém sabe quais são as repercussões futuras dessas alterações que, nos exames, ficam muito claras. Mas certamente existirão repercussões. Sabemos que não se mexe com a anatomia do cérebro —com o formato e o tamanho de suas regiões ou estruturas — sem que isso cause algum prejuízo. Isso ainda será avaliado. Por enquanto já basta saber que não precisa fumar muito para alguém ficar viciado, nem para sofrer as consequências na cabeça.
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