O mau hábito da automedicação surge cedo, em plena adolescência
Um artigo publicado recentemente na Revista Brasileira Interdisciplinar de Saúde fala sobre o uso indiscriminado de medicamentos por estudantes da Faculdade JK, no Distrito Federal, e da Universidade de Brasília. A prática é frequente e tem consequências variadas, de gastrite a problemas mais sérios.
Mas, cá entre nós, acho que o resultado seria semelhante em qualquer estabelecimento de ensino do país: os jovens fazem uso rotineiro de medicamentos que consideram simples ou inofensivos, como anti-inflamatórios não esteroides para controlar dores, sem ouvir o seu médico. Ibuprofeno e dipirona foram os mais citados no estudo realizado com os estudantes de Brasília. Quase 23% deles faziam uso de uma dessas medicações semanalmente.
A automedicação no país é mesmo um caso sério. Veja bem, segundo o Conselho Federal de Farmácia, 77% dos brasileiros acima dos 16 anos —16 anos apenas! — se automedicam pelo menos uma vez por mês e 25% têm a mania de engolir remédio por conta própria uma vez por semana. Confirmar com mais um estudo, como esse que eu li, que o mau hábito começa cedo deveria despertar algumas boas reflexões.
Usado da maneira errada, qualquer remédio pode ser desastroso. O alerta vale até mesmo para aquele comprimido que o jovem engole para supostamente curar a ressaca da festa —e as festas são frequentes, bem como as ressacas — ou para aliviar o peso da barriga depois de ter devorado um hambúrguer duplo no intervalo da aula ou para, pior, tentar se manter mais acordado e mais esperto enquanto faz provas e lições.
Nem vou entrar no mérito desse tipo de atitude de se medicar para bombar o desempenho acadêmico e, sim, lembrar de um exemplo bem mais simples: antitérmicos tomados como se fossem água, quando os adolescentes notam a testa ficando quente. Ignoram que esses remédios podem mascarar problemas mais sérios. Assim como o xarope para tosse pode esconder os primeiros sinais de uma pneumonia. É sempre um perigo fingir que nada está acontecendo.
Com mal-estar físico empurrado pelo medicamento para debaixo do tapete, os pais — e os próprios jovens, claro — só percebem que há algo errado, como uma doença chegando, quando o mal avança além do desejável. Isso sem contar aquelas reações adversas do próprio uso de medicamentos em exagero. No começo, essas reações podem se assemelhar à azia, mexer com intestino e provocar uma diarreia ou outra.
Em casos mais graves, porém, levam até à perda de sangue pelas fezes. No entanto, como não se trata de sangue vivo, como o que escorre vermelho de uma hemorroida, e sim de coágulos secos, as fezes apenas ficam mais escurecidas e o quadro costuma passar batido, enquanto o adolescente se torna vítima de úlceras gástricas ou intestinais pelo excesso de medicações no dia a dia.
Nessa fase pós-férias, recebo muitos casos de garotos e garotas que tiveram algum problema durante viagens. Aí pergunto: "O que você fez?". Escuto que tomaram um remédio assim ou assado. Não, não me procuraram antes. E, pior, com frequência descubro que repetem a dose com frequência em seu dia a dia. Acham que jovens como eles não sofrem as consequências disso. Ou que as medicações são leves — e, de fato, podem até parecer leves a curto prazo. A longo, nem sempre.
Isso me faz pensar que eu e meus colegas médicos deveríamos falar mais sobre o assunto e cortar o mal da automedicação pela raiz, conversando com os pacientes adolescentes. Mas, claro, para isso precisamos do apoio também dos adultos da casa que, infelizmente, muitas vezes são os primeiros a dar o exemplo de engolir a primeira coisa que encontram na farmacinha doméstica ou, pior, são os que prescrevem remédios aos filhos, achando que tudo bem.
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