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Blog do Maurício de Souza Lima

Agora o período da adolescência é 20% maior. E como lidar com isso?

Maurício de Souza Lima

11/09/2019 04h00

Crédito: iStock

É oficial: para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a adolescência, agora, vai até os 24 anos em vez de terminar aos 20, como  era antes. O ajuste, que não é pequeno porque representa 20% a mais na duração dessa fase da vida, foi feito a partir da constatação de que os jovens demoram muito mais para alcançar sua independência no mundo de hoje. Eles levam mais tempo para entrar na faculdade, consomem um tempo extra na pós-gradução estudando por períodos bem maiores, não se casam tão cedo… Enfim, atrasam o dia de começarem a caminhar sozinhos com as próprias pernas.

Encarar que a adolescência anda se estendendo é uma  história  que começou na Austrália e que já vira consenso em todo o globo, ainda mais com a própria OMS assinando embaixo. No Reino Unido — para eu apontar apenas um dos números que embasa a mudança —, as mulheres se casam ou vão morar com sua parceria afetiva aos 30 anos, em média. Os homens de lá, aos 32. Segundo o levantamento britânico, a união conjugal costumava acontecer cerca de oito anos antes para os dois sexos nos anos 1970. É, isso mudou bastante e não é só entre eles. Algo parecido acontece em diversos países.

Outro dado, este de um trabalho que observou a média de idade com que as pessoas tinham filhos entre o ano 2000 e 2012, acusa que elas  adiam em cerca de três anos o momento de se tornarem pais ou mães — e isso, atenção, no mundo inteiro. Na prática, são indicadores de um fenômeno que todos nós já vínhamos notando: a garotada fica um tempão na casa dos pais, mais dependente deles do que nunca, embora saia com maior frequência e liberdade para as baladas e outros programas, namore mais, chegue tarde da noite, pareça super moderna e conectada com tudo. Na minha opinião, precisamos olhar para esse cenário com um pouco de cuidado para não se deixar levar pelas aparências, nem pelas datas oficiais da adolescência.

Se você pensar em como era o mundo até início do século passado, a adolescência mal existia como tal. Os imigrantes que contribuíram demais para o desenvolvimento do nosso país, por exemplo, tinham muitos filhos. Em parte porque a meninada mal completava 12, 13, 14 anos e começava a ajudar no trabalho, colaborando para o sustento da família ou para o crescimento do seu negócio no novo país. 

Até porque, naquela época, a Medicina mal estudava — e mal valorizava — a puberdade, a explosão dos hormônios, as questões de crescimento e todas as mudanças físicas. Essa etapa da vida ficava esmagada ou encoberta por uma necessidade social e econômica. Ninguém olhava para a saúde do adolescente, ou seja, era como se pulássemos da infância para a vida adulta sem escalas. Claro, isso estava longe de ser correto, pensando como médico.

Hoje, porém, partimos para o extremo aposto e — de novo, por necessidade social ou econômica — esticamos o período em que um jovem pode ser apontado como adolescente talvez ligeiramente demais. Penso que, ao fazer isso, a OMS quer garantir políticas públicas que facilitem ou, ao menos, não sobrecarreguem  ainda mais os pais com esse filho crescido dentro de casa.

Do ponto de vista fisiológico — tirando a história de o siso, que já foi conhecido como dente do juízo, irromper cada vez mais tarde sem muita explicação —,  o que sabemos de concreto é que o sistema nervoso central amadurece até os 25 anos, mais ou menos, em especial a área chamada córtex pré-frontal, aquela que faz com que nossas ações sejam mais planejadas e não tão impulsivas como as de um adolescente. Mas veja: provavelmente sempre foi assim. Nós, na Medicina, é que descobrimos isso só agora, com o advento de novas tecnologias que nos permitem observar o desenvolvimento do cérebro.

No entanto, na minha opinião, precisamos encontrar um ponto de equilíbrio dentro de casa e não sair usando a nova idade oficial do final da adolescência para justificar o comportamento infantilizado de jovens adultos. Cada vez mais, por uma série de circunstâncias, garotos e garotas ajudam menos dentro de casa, tomam menos responsabilidades para si, acomodam-se no papel de eternos dependentes, não assumem quando algo não dá tão certo em suas vidas — parece que a culpa, por notas baixas ou qualquer adversidade, é sempre dos outros ou de algo que lhes aconteceu. E sinto dizer: amadurecer é preciso. 

Não quero afirmar que, como no passado, a gente deva desrespeitar a realidade inegável de que esses jovens de 16, 17, 18 ou, vá lá,  20 e pouquíssimos anos  ainda não são adultos para assumir compromissos demais. E, sim, também é  verdade que o mercado de trabalho atual exige horas e horas a mais de estudo e isso precisa ser considerado. 

Mas, uma vez reconhecido tudo isso, aumentar o prazo da adolescência não pode, por outro lado, justificar que as novas gerações não se preparem para o mundo — por vezes duro e atribulado — dos adultos. Então, se querem saber minha opinião: não saiam alardeando a nova idade do final da adolescência para tratar o jovem dentro de sua casa quase como criança. Isso não faz sentido, nem o ajudará no futuro.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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