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Blog do Maurício de Souza Lima

Estudo mostra que as meninas estão cada vez mais entediadas. Por que será?

Maurício de Souza Lima

01/01/2020 04h00

Crédito: iStock

Li um estudo recente da Washington State University, nos Estados Unidos, que saiu no Journal of Adolescent Health — só que, cá entre nós, ele não me surpreendeu. Segundo os pesquisadores, o sentimento de tédio vem aumentando ano após ano entre os adolescentes. E as meninas se sentem até mais entediadas do que os meninos. Digo que não me surpreendeu, primeiro, porque todo mundo já ouviu um adolescente reclamar que não tem nada de bom para fazer em determinado momento. E, sejamos justos, o mundo moderno também não o ajuda.

Os pesquisadores de Washington trabalharam em parceria com colegas de duas outras universidades americanas, a de Michigan e a Pennsylvania State, enviando questionários para milhares de garotos e garotas a partir de 10 anos de idade, no período entre 2008 e 2010.

As perguntas eram bem diretas, tais como: em uma escala de 1 a 5, o quanto você se sente entediado ou entediada? Está experimentando mais tédio hoje do que no passado? Desse modo, concluíram que esse é um sentimento em franca ascensão de 2010 para cá.

Nos meninos, daquele ano de 2010 até 2017, a sensação de tédio piorou 1,6% e, nas garotas, 2%. Talvez ache que esse é um aumento bastante sutil, mas entenda a preocupação dos estudiosos: eles queriam um retrato do tédio da juventude de seu país para, depois, saber se esse seria um sentimento pontual de aborrecimento com tudo e com todos ou se poderia servir de gatilho para uma depressão em jovens — problema que cresce assustadoramente nessa faixa etária, vale eu ressaltar.

O trabalho só avaliou o nível de tédio, sem olhar para as possíveis causas. Mas o questionamento aos autores foi inevitável: ora, qual seria o motivo? Sobre a resposta, eu concordo com a hipótese desses pesquisadores: eles apostam que o tédio vem de uma insatisfação pela maneira como os jovens de hoje passam o tempo. E, repito, é uma pena que o trabalho não tenha investigado como esses adolescentes que responderam ao questionário gastavam suas horas.

Os pesquisadores americanos especulam que, ao mesmo tempo em que os jovens querem independência, sob certo ponto de vista eles têm menos autonomia agora, no mundo moderno. Isso seria capaz de gerar de cara muita frustração, uma prima do tédio. A garotada ficaria com aquela sensação de não poder fazer nada do que quer. E note que os jovens da atualidade querem mais e mais coisas porque, afinal, são expostos a um mundo de informação pela internet, sem que, no paralelo, exista maturidade e consigam ter acesso a tudo na vida real, por uma série de razões. Pode ser que seja isso mesmo, não nego…

Aliás, essa poderia ser uma explicação para as meninas parecerem mais entediadas do que os meninos. Na verdade, elas também começam a sentir tédio mais cedo do que eles, por volta dos 10 anos. Na minha opinião, isso ocorre justamente porque tendem a amadurecer mais depressa. Logo, nesse raciocínio, se ressentiriam mais da falta de autonomia ou da impossibilidade de fazerem tudo o que veem outras garotas (aparentemente) realizando.

No entanto, engrosso esse caldo das supostas causas falando da falta de comunicação, uma falta tão atual, provocada inclusive pelas redes sociais, por mais paradoxal que acabe soando. Mas pare para reparar…

Se a gente prestar atenção — e acho que o que vou apontar aqui vale para muito adulto também —, as pessoas até andam se comunicando mais. Na verdade, elas trocam mensagens várias vezes ao dia e com um número maior de pessoas. Mas, se a quantidade de contatos saiu ganhando nos últimos tempos, em contrapartida a qualidade do diálogo caiu bastante.

Nas redes sociais é tudo muito superficial, sem nem sequer existir espaço para alguém expor pra valer qualquer tipo de sentimento — seja ele o próprio tédio. Tédio que, no meu modo de encarar a situação, diminuiria bastante se adolescentes tivessem mais contatos olho no olho do que com o olhar na telinha.

 

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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