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Blog do Maurício de Souza Lima

O perigo da mania de cheirar loló e lança-perfume não fica só no Carnaval

Maurício de Souza Lima

13/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Os últimos bloquinhos já passaram, mas eu temo que uma onda possa ficar: a do uso de certas drogas inalantes. Aliás, é o que a gente já começa a ver em baladas, inclusive lá fora, onde nem se brinca o Carnaval. Isso porque as lolós, que são as preparações caseiras à base dos mais estranhos ingredientes, e o velho lança-perfume feito de éter têm uma característica que garantem o sucesso entre os jovens de hoje, que são extremamente imediatistas:  eles relatam gostar do "efeito na hora" dessas substâncias todas.

Sim, não levam mais do que 3 segundos para as substâncias inaladas alcançarem os pulmões, caírem na corrente sanguínea e entrarem no sistema nervoso, dando uma sensação fugaz de flutuação por causa de uma leve tontura, bem-estar e um certo eco nos ouvidos — eco que muitos acham divertido, ainda mais ao som de uma música. Como o efeito também passa depressa, a pessoa cheira de novo e de novo — cerca de três ou quatro vezes por minuto.

Além de correr o risco de convulsões ao fazer isso com essa frequência, o fígado — encarregado de lidar com todas as substâncias inaladas depois — termina em frangalhos. Fique certo: o potencial de provocar danos hepáticos das lolós é maior até do que o das bebidas alcoólicas.

Não estranho. Preparadas em galões e vendidas em vidrinhos por cerca de 5 reais — tem mais essa, são drogas muito baratas para o usuário adolescente, fáceis de serem produzidas em qualquer fundo de quintal e capazes de gerar um bom lucro para quem as comercializa ilegalmente —, essas lolós têm realmente de tudo.

Preocupado com o que vi de atendimentos nos últimos dias — geralmente a moçada passando mal com dores de cabeça e enjoos —, fiz um levantamento do que foi achado por aí. Deu de tudo: etanol, gasolina, acetona de esmalte, inseticida, desodorante e desinfetante. Preciso escrever muito mais para explicar o quanto isso tudo pode fazer mal uma vez dentro de um organismo?

Mas vou me estender um pouco. Um trabalho realizado por cientistas mexicanos mostra que esses inalantes, quando contêm benzeno — comum no que é vendido para os jovens cheirar nas festas de lá e aqui também — provocam uma baixa perigosa de plaquetas e leucócitos no sangue. E a suspeita é que o uso rotineiro —  nas festas de final de semana, por exemplo — aumente o risco de leucemias na adolescência.

Já o clorofórmio, bastante encontrado nos vidrinhos comercializados nas ruas neste Carnaval, provoca taquicardias importantes e, de novo, convulsões,  perigo que acho bom eu frisar.

Não temos dados oficiais para saber o número de jovens que passaram mal nos bloquinhos por causa disso, nem o número de mortes provocadas pelo consumo de inalantes no Brasil ao longo do ano inteiro. Mas acho importantíssimo alertar que, não é por ser um efeito ligeiro, que logo desaparece, que se trata de algo fraco. Ao contrário. Se a moda pega o ano inteiro, o fígado dessa moçada poderá mostrar.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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