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Blog do Maurício de Souza Lima

É preciso encarar o afastamento dos filhos, sem tentar protegê-los demais

Maurício de Souza Lima

07/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Por mais que pareça óbvio para quem está de fora, para as famílias que vivem uma transição sempre é bom alertar: ser pai ou mãe de adolescente é muito diferente de ser pai ou mãe de uma criança. E ponto. Não espere obediência o tempo inteiro se o que quer é que os filhos fiquem perto de você. O natural é, com a chegada dos 10 anos, mais ou menos, acontecer um certo afastamento.

Os adolescentes, muitas vezes, não vão aceitar aquela visita aos avós no domingo, nem aquela ida ao cinema, todos juntos. Almoçar na casa do amigo será, para eles, muito, mas muito mais legal do que ficar com os parentes à mesa. Nessa fase os jovens querem — e, digo mais, precisam — buscar o seu grupo de amigos. Faz parte do seu processo de amadurecimento.

Os pais, porém, nem sempre estão preparados para esse afastamento progressivo. Em muitas ocasiões tentam impor a sua vontade: "Hoje é domingo, dia de ficar em casa, é uma ordem!". Ganham em troca a desobediência ou um garoto de cara fechada. Também faz parte. É uma adaptação para todos.

Longe de mim aconselhar que não haja diálogo e, por meio dele, acordo. Sim, continuam sendo importantes as visitas aos parentes, as refeições e os programas em família. Mas um cede aqui, o outro acolá. O garoto ou a garota precisa entender o valor que isso tem para os adultos e até para eles próprios. E aos pais cabe compreender que eles precisam voar para longe de casa de vez em quando.

Um dos efeitos mais comuns quando não existe esse entendimento é a reação de superproteção.  Mais ou menos assim: os pais começam primeiro a dar a desculpa de que ainda é muito cedo, por exemplo, para o menino ou a menina viajar no final de semana com a família dos colegas de escola. Aos poucos, quando o jovem faz 15, 16, 17 ou até mesmo 18 anos, isso se transforma em uma visão de um mundo cheio de riscos e perigos em cada esquina.

Parênteses: existem problemas de segurança mesmo e tudo bem a gente zelar por eles. Mas é preciso dar um voto de confiança. Não ficar controlando o tempo inteiro. Nem impondo horários rígidos demais. Enfim, é preciso um equilíbrio até pelo bem desse jovem, que precisa amadurecer e se virar diante de alguns desafios que fatalmente aparecerão mais dia, menos dia, na vida adulta.

Noto que alguns adolescentes se rebelam contra os pais superprotetores. Isso, claro, azeda por um tempo o clima em família. Só acho, se quer saber minha opinião, bem pior quando o jovem é mais tímido e se acomoda nesse casulo. Já tive uma paciente que, com mais de 21 anos,t tinha carta, mas não dirigia: aceitava a ideia dos pais de que o trânsito da cidade era ameaçador e que ela poderia sofrer um acidente a qualquer instante, caso se atrevesse a pegar no volante.

O recado que esse tipo de atitude dá é claro: você, filho ou filha, não tem capacidade. Ele poderá acabar com a segurança desse adolescente no futuro, afetando sua vida pessoal e profissional.

Vale lembrar que o medo às vezes não é do afastamento físico — o do jovem que quer sair de casa para ficar com amigos. Mas é de um afastamento mais sutil: quando o filho pensa diferente, por exemplo, sobre política ou qualquer outro assunto. Isso é perigoso: filhos não são nossos clones e  a maneira saudável de formar a própria identidade é perceber que ele não é o pai, nem a mãe — e, melhor, que pode pensar muito diferente, encontrando espaço confortável para debater suas ideias em casa. Que lugar poderia ser mais amistoso?

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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