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Blog do Maurício de Souza Lima

O problema do adolescente trocar o dia pela noite nas férias

Maurício de Souza Lima

27/06/2018 04h00

Crédito: iStock

As aulas acabam e a moçada que fica em casa vai dormir muito mais tarde do que normalmente. Sempre foi assim, cá entre nós. Poder ir para a cama quando bem entender é uma espécie de bônus dos dias de descanso, quando não se tem horário rígido para acordar. Mas, nos tempos atuais, as coisas saíram um pouco de controle. As redes sociais, os jogos de computador, os videogames — tudo isso espanta de vez o sono e é um convite para varar a madrugada noite após noite.
No mundo virtual, o grupo de amigos continua reunido e escuto com frequência que os próprios adolescentes combinam entre eles de só se largarem quando o dia amanhecer. É quase um desafio. Aí, sim, dormem e só vão despertar no meio da tarde. Noutro dia, atendi um paciente que me disse abrir os olhos às 8h — e instantes depois entendi que, na verdade, acordava às 20h. Claro, é um caso extremo. Mas meninos saindo das cobertas no meio da tarde é uma cena comum em muitas casas.
Alguns efeitos disso são mais evidentes. O garoto ou a garota — se bem que esse é um comportamento ligeiramente mais comum em meninos, pelo que noto no dia a dia — segue um horário completamente diferente do restante da família e a convivência sai perdendo. Mais essa: com frequência esse adolescente perde o horário do almoço e passa o dia, ou o que restar dele, comendo todo tipo de tranqueira. Ok, mesmo que só tenha alimentos mais saudáveis a mão, fará lanches no lugar das principais refeições.
Talvez você raciocine: ninguém se tornará desnutrido ou obeso se ficar apenas um mês deixando de lado uma alimentação como manda o figurino. Pode ser… Mas aí eu devolvo o seguinte: se eu fizer um exame de colesterol e de triglicérides nesse jovem antes e depois das férias, é bem provável que encontrarei diferenças importantes nos níveis dessas substâncias. E, claro, tudo poderá se normalizar depois, com os hábitos diurnos, digamos assim, estabelecidos.  A questão maior não é essa. O problema é que trocar a noite pelo dia, em qualquer idade, provoca uma bagunça tremenda no ritmo biológico.
Existem funções no nosso organismo programadas para acontecer durante o dia. E outras que deveriam se desenrolar ao longo da madrugada. Quando eu inverto tudo, o intestino começa a funcionar em outro ritmo, a fome aparece em horas inadequadas, até o hábito urinário se altera. Funcionando desse jeito, desregulado, o corpo não chega em bom estado ao reinício das aulas —pior ainda para aqueles casos que têm alguma prova de recuperação no início de agosto. O cansaço físico, o sono e a desatenção tendem a ser constantes. Depois de mais vinte dias trocando os horários, ninguém volta a entrar no ritmo de uma hora para outra. Pode levar de uma semana a dez dias.
O ideal seria — como sempre — tentar o diálogo logo no início das férias, apelando para aquilo que o adolescente mais dá valor. Se ele está preocupado em crescer, mostre que o crescimento fica prejudicado. Se está naquela fase de querer ganhar um pouco mais de músculo, conte que, ao trocar a noite pelo dia, a massa muscular é uma das primeiras a ir para o espaço, tanto por razões fisiológicas como pelo fato de que não sobrará ânimo para praticar um esporte na manhã seguinte. Claro, ninguém vai conseguir convencer um adolescente a ir para a cama cedo nas férias, mas tente ao menos estabelecer um limite de horário de dormir, ainda que um pouco mais tarde, que facilite as coisas depois.
E uma boa estratégia será ir antecipando o toque do despertador em uma hora por dia, em uma espécie de contagem regressiva, até que o momento de acordar volte ao habitual. Caso contrário, ao pisar na escola, o adolescente terá a sensação de que estará chegando de uma viagem ao outro lado do mundo. Para o seu organismo, em outro fuso horário, será bem isso mesmo.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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