Jovens devem se vacinar o mais depressa possível contra a gripe
Maurício de Souza Lima
01/04/2020 04h00
Crédito: iStock
Esta é uma pergunta que, nos últimos dias, não paro de ouvir: será que devo vacinar o meu filho adolescente contra a gripe? Minha resposta é um sonoro sim. E ela não é diferente da que dei no passado, já que a vacina precisa ser repetida anualmente porque o vírus influenza, causador da doença, sofre mutações a cada temporada. Mas entendo a dúvida que surge em um momento tão conturbado de distanciamento social, quando muitos têm medo de quebrar o confinamento — embora existam clínicas dando a vacina em esquema de drive thru — e por incrível que pareça, mais ainda, quando muitos têm receio de experimentarem sintomas que associam à vacinação, como uma leve coriza alguns dias depois da aplicação.
Vou tentar explicar essa história por partes. Primeiro, vamos à dura realidade: a vacina da gripe por enquanto não se encontra disponível para adolescentes que dependem da rede pública para se imunizar. Por ora, o primeiro lote das 75 milhões de doses que serão oferecidas pelo governo é destinado a profissionais de saúde e idosos. Está certíssimo e o esforço do Ministério da Saúde é incrível ao antecipar a medida em relação aos anos anteriores.
No entanto, muita atenção: a partir de 16 de abril, a vacinação na rede pública será ampliada para pessoas com doenças que deixam o sujeito em maior risco para contrair ou ter formas mais severas da covid-19, como diabetes e hipertensão, entre outras. Adolescentes que têm esses problemas precisam correr para garantir esse direito. Reforço que essas doenças não têm idade. Infelizmente, até pela escalada da obesidade infantil, temos muitos adolescentes diabéticos e hipertensos.
O imunizante oferecido na rede pública confere proteção contra três cepas do influenza, enquanto o que se encontra com frequência em clínicas particulares de todo o país protege contra quatro. Ainda assim, a vacina aplicada pelo SUS é excelente. E o meu recado claro é este: seja a vacina trivalente ou a quadrivalente, os jovens devem tomá-la, sim. As famílias que tiverem condições devem procurar clínicas particulares para isso. E quem pretende se imunizar nos postos de saúde da rede pública deve esperar a primeira oportunidade, quando os grupos de risco já estiverem imunizados, para tentar conseguir a sua dose.
Ficar gripado nesse período difícil é a última coisa que alguém vai querer. Vale eu lembrar que 45% das internações por pneumonia no mundo são um agravamento da gripe — e, nesta época, internações ou não serão viáveis por falta de leitos hospitalares ou poderão colocar a pessoa em risco de covid-19. Só no Estado de São Paulo, em 2019, a gripe provocou 1.100 mortes — se as pessoas fugirem da vacina neste ano, será um caos. E este é um aviso para pessoas de todas as idades.
Claro que as mesmas medidas de higiene que usamos para espantar o coronavírus — lavar as mãos ensaboando-as por 20 segundos com capricho e passar álcool em gel com frequência, principalmente — também ajudam a prevenir o influenza, outro vírus que é transmitido com enorme facilidade se a gente não toma os devidos cuidados. E nesse sentido, aliás, o legado da pandemia atual de coronavírus será enorme. As pessoas finalmente ficaram espertas sobre como esses pequenos gestos no dia a dia, como reparar se as mãos estão limpas, lavá-las quase que automaticamente ao chegar da rua ou até da portaria do prédio, cobrir a boca com o cotovelo ao tossir e outras ações do gênero fazem enorme diferença. Antes, cá entre nós, ninguém dava muita bola, por mais que os profissionais de saúde batessem nessa tecla. Muito menos os adolescentes.
Sobre os sintomas que muitos alegam sentir quando se vacinam contra a gripe, não há razão cientificamente embasada para afirmar que são causados pelo imunizante. Mas — o que você talvez já tenha ouvido e vou repetir aqui — seu organismo demora uma semana aproximadamente para produzir anticorpos contra o vírus influenza e é possível que, nessa janela ou período de tempo, você pegue alguma infecção respiratória, como um resfriado ou a própria gripe, atribuindo o mal-estar à vacina injustamente.
Aliás, por falar em confusão, esse é outro grande motivo para os adolescentes receberem a vacina da gripe: desse modo, se manifestarem sintomas como febre, dor de garganta ou de cabeça, quebradeira pelo corpo e tosse, os médicos saberão que há grande probabilidade de ser covid-19, já que não existirá chance de ser mais um caso de gripe, se ele foi vacinado. E a Medicina não perderá tempo para cuidar do paciente adolescente, como às vezes ocorre.
Por fim, ao contrário do que imaginávamos no início da pandemia, os adolescentes estão longe de serem resistentes à covid-19. Embora a maioria dos infectados por coronavírus tenha mais de 50 anos, nos Estados Unidos, de acordo com o Centro de Diagnóstico e Prevenção de Doenças (CDC), jovens na faixa dos 20 anos já beiram 12% dos internados por causa da infecção. E observamos casos até de mortes de gente ainda mais jovem pelo mundo — meninos e meninas de 10, 12, 15 anos… Ressalto: nem todos tinham outras doenças ou complicações para justificar esse final infeliz de suas histórias. Não vamos mais tapar o sol com a peneira. No fundo, o perigo é para todos. Jovens incluídos.
Eu e outros colegas na minha área, atendendo adolescentes que receberam resultado positivo para a covid-19, observamos um aspecto traiçoeiro da doença nesse público: quando parece estar tudo bem, na reta final do quadro infeccioso, surge uma falta de ar. Não podemos dizer ainda se é uma sequela e quanto tempo vai durar. Noutro dia, uma paciente na faixa dos 20 anos me ligou com essa queixa. Já estava se sentindo praticamente boa quando o fôlego começou a falhar. A família — como tantas famílias de adolescentes — quis tranquilizar a garota, achando que era tudo psicológico. Pedi a prova dos 9 e a imagem dos pulmões tinha uma característica que nós, médicos, chamamos de vidro fosco. Esse aspecto denota uma pneumonia. Portanto, a falta de ar que apareceu só lá pelo décimo dia era real. E casos assim estão pipocando em consultórios de quem cuida de adolescentes em todos os cantos do planeta. Aqui a situação não está diferente.
Aos jovens, fica o alerta: não dá para marcar bobeira. Não dá para relaxar nos hábitos de higiene como quem deixa a lição da escola para depois. Não dá para sair de casa — sinto muito, moçada. E, agora, acrescento: se possível, não é para perder o oportunidade de tomar a vacina da gripe.
Sobre o autor
Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clínico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.
Sobre o blog
Aqui, Maurício de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.