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O que fazer quando o adolescente escolher se tornar um gamer profissional

Maurício de Souza Lima

26/02/2020 04h00

Crédito: iStock

Acho que precisamos olhar para algumas questões com outra cabeça, um pouco mais aberta. Noutro dia, ouvi um pai preocupado porque o filho queria ser gamer profissional. Sim, existem jovens que viajam pelo mundo inteiro, ganham dinheiro e até patrocínio se dedicando a campeonatos de games. Não que seja fácil. Aliás, muito pelo contrário, porque chegar a esse ponto de conseguir se sustentar é realmente passar um funil estreito. Precisamos reconhecer: se é essa a decisão, será preciso treinar com disciplina.

O fato é que os tempos são outros —e eles são digitais, incluindo possibilidades muito diferentes daquelas a que estamos acostumados. Não vou aqui discutir o futuro da juventude, nem o direito —que me parece óbvio — de um adolescente fazer a escolha do caminho que deseja seguir na carreira. Mas como agir quando aparece uma situação dessas em casa?

A primeira coisa a ser riscada é a palavra proibição, se querem saber o que penso. Não só porque implicaria em tolher a liberdade de escolha profissional, mas até porque esse tipo de atitude seria de uma completa inutilidade. Seria um veto fácil demais de ser burlado. 

Ora, parece claro que menino ou a menina sairá à tarde para ir à casa de amigos e chegando lá… vai jogar. Acordará no meio da noite quando os pais estarão no sétimo sono e… jogará. Será que a solução seria tirar o console, a tevê, tirar tudo? Impedir o filho ou a filha de usar o computador da casa? Esconder o tablet? Como será se o adolescente ficar sem o celular também? Garanto: seria um inferno para todos sob o mesmo teto. Não tem jeito. Ou melhor, tem jeito: conversar e estabelecer rotinas.

Se o garoto ou a garota quer se dedicar ao universo dos games, a família então precisa levar isso a sério —fazendo o jovem levar a sério também, claro — e não como desculpa para mais tempo de diversão. Aproveitando, está aí uma lição que podemos e devemos dar aos adolescentes: seguirem firmes em seus propósitos de futuro, uma vez declarados. Nessa situação específica, então, todos devem encarar a ideia de se tornar um gamer como quem treina um esporte ou outra habilidade profissional qualquer.

O fundamental, porém, é decidirem juntos um horário para que esses treinos aconteçam todo dia, sem que atrapalhem os estudos nem outras obrigações, que podem ser até triviais, como sentar-se à mesa nas refeições, fazer programas em família, arrumar o quarto, ajudar os pais em tarefas domésticas.   

Isso é importante: o adolescente entender que não dá para trocar uma coisa por outra. 

A velha história de fazer acordos e estabelecer limites claros, tão discutida no período da infância, não muda com a chegada da adolescência. Aliás, creio que, no exercício da convivência, ela seja válida para a vida inteira. No caso de alguém com pretensão a se tornar um gamer, isso se torna primordial. Até porque esses jogos são tão envolventes que passar do tempo combinado, por exemplo, é fácil.

Se a vontade de se profissionalizar é realmente levada a sério pelo jovem e apoiada pela família, na medida da possibilidade —e, eu sei, nem sempre é viável —, vale investir não só em computadores e provedores de internet mais potentes, como em cadeiras mais ergonômicas, que evitem problemas de postura comuns nos adolescentes que ficam horas jogando. Assim como providenciar protetores de tela para proteger a visão. Por falar nisso, também é importante que o jovem dedicado aos games faça avaliações oftamológicas de rotina, sem jamais adiar essas consultas —assim como a coluna, os olhos se tornam pontos frágeis.

O horário de praticar games também deve ser considerado no estabelecimento de uma agenda: não é bom que se reserve as noites para jogar, já que a luminosidade da tela afeta diretamente o ciclo do sono e vigília no sistema nervoso central. O adolescente que joga demais depois do anoitecer termina com problemas para dormir, isso é fato.

Agora, sempre me questionam a respeito das habilidades desenvolvidas pelos games. E, sim, precisamos reconhecê-las —sem o preconceito de achar que esses jogos são de todo ruins. Primeiro, eles estimulam a criatividade, sendo que há vários estudos demonstrando isso. E ainda, dizem alguns trabalhos, aumentam a facilidade do indivíduo para atuar em equipe, algo muito desejável e até mesmo buscado por universidades e empresas. 

Portanto, vamos respirar fundo e lembrar que o mundo digital ganha força. Claro que algumas informações que busquei passar aqui podem ajudar em outras situações —inclusive a do adolescente que não sonha em ser gamer profissional, mas que simplesmente gosta da atividade como lazer. Diálogo, respeito, cuidado com a saúde, estabelecimento de limites e horários são sempre bem-vindos.

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Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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