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Dá barato e pode até matar: a magia perigosa dos cogumelos alucinógenos

Maurício de Souza Lima

27/11/2019 04h00

Crédito: iStock

Em alguns países, sua comercialização é proibida por lei. Em outros, como o nosso, isso não acontece. Estou falando de uma espécie de cogumelo, a Psilocybe cubensis, usada desde os tempos antigos, ao pé da letra, para alterar o estado de consciência por um período, com registros feitos séculos antes de Cristo. Ganhou fama pelo mundo nos movimentos de contra-cultura dos anos 1960. No Brasil, já na década de 1980, existiam cidades famosas em que as pessoas iam em busca de natureza, ver estrelas e, dizem elas, disco-voadores, além de tomar chá de cogumelos, claro. A beberagem é um alucinógeno e tanto.

Apesar de a comercialização da psilocibina ser proibida no Brasil pela Anvisa, não é difícil encontrar sites vendendo por aqui esses cogumelos. E isso preocupa porque a sua onda volta a subir, como acontece de tempos em tempos, sendo que, desta vez, o consumo entre adolescentes só aumenta. Até pela facilidade de compra, com direito à entrega em casa pelo motoboy. Fazer o quê!  

Dos cerca de 1 mil componentes encontrados nesses cogumelos, calcula-se que uns 200 levem a alucinações. Mas eles ainda são bem pouco estudados, o que só faz aumentar o receio na comunidade científica e, particularmente, entre nós, médicos. Sabemos que os maiores princípios ativos presentes são a psilocibina e a psilocina que podem até agir no cérebro feito a serotonina, o neurotransmissor relacionado ao bem-estar. Mas não é só bem-estar que o cogumelo "mágico" provoca.

O usuário relata, com frequência, visões. Fica desorientado em relação ao espaço e ao tempo. Há um profundo relaxamento da musculatura esquelética, ao mesmo tempo em que aumentam as frequências cardíaca e respiratória. Tudo isso começa cerca de apenas meia hora após a ingestão de reles 3 gramas — é a dose consumida, em geral —, que nunca custam menos de 50 reais. E o efeito dura aproximadamente seis horas, um tempão.

O problema é que não são raros os casos de bad trips. Cuidado! Na verdade, são até bem comuns. O uso desses cogumelos, desidratados ou não, comestíveis ou na forma de chá, costuma ser gatilho para crises de depressão grave e ansiedade que, obviamente, duram bem mais do que aquelas seis horas. Frequentemente, também, a experiência é tão forte que o garoto ou a garota tem a impressão de nunca mais voltar dela — eu mesmo já vi um caso em que o menino, em pânico, pedia para o amigo ficar repetindo sem parar os eventos que tinham se passado horas antes do consumo, porque sentia que iria se esquecer de tudo e que perderia a memória de vez.

E tem outra para deixar todo mundo apreensivo: não há dose de segurança. Alguns gramas que provocam a alucinação em uma pessoa podem matar outra (pensamentos suicidas/acidentes). Há vários relatos de intoxicação. Daí que a pior ilusão de todas não é a que o jovem enxerga em pleno transe — com todos os riscos que ele pode correr ao sair vendo coisas por aí ou  ao deixar de ver outras tantas, por estar completamente fora de si. Na minha opinião, o mais grave é se enganar acreditando que algo, por ser da natureza e vendido livremente, não é perigoso ao extremo. E é, não existe magia nisso.

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Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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