O fato de ser liberada em alguns lugares não significa que maconha faça bem
Maurício de Souza Lima
16/01/2019 04h00
Crédito: iStock
Existem trabalhos sobre o uso medicinal da maconha — alguns com mais dados, outros com menos, mas não quero entrar nesse mérito de quando a cannabis pode ser útil em condições específicas de saúde. Pretendo, desta vez, abordar o uso recreativo apenas. E aí não sei o quanto você acompanhou essa história: no início deste mês, lideranças de Nova York fizeram a proposta de legalizar a maconha para quem fuma por pura diversão. A ideia é conseguir dinheiro, por meio dos impostos do negócio, para restaurar e aprimorar o metrô cidade.
Não é a primeira vez que alguém saca da cartola uma proposta assim: conseguir recursos para coisas boas, de que a população está necessitando, por meio da legalização da erva. Para ter noção do montante, o estado do Colorado arrecadou 862 milhões de impostos só com a venda de maconha para uso recreativo. É um dinheirão.
E assim surgem adeptos até entre aqueles que nem pretendem acender um baseado — por exemplo, nova-iorquinos simplesmente interessados em ter um metrô mais rápido, mais limpo, mais seguro, que atenda uma área ainda maior da metrópole americana. E os jovens até mesmo no Brasil, claro, usam a notícia como um novo argumento em seus discursos em defesa da maconha.
É que, entre os adolescentes — talvez até mesmo entre os adultos —, surge então uma pegadinha. Ora, se pode ser medicinal e se querem aprová-la para fazer coisas bacanas, então a maconha não pode fazer mal algum mesmo. Alto lá! Isso não é verdade, especialmente na adolescência, quando o seu consumo afeta as funções cognitivas e não estou falando nenhuma grande novidade.
Há pilhas de trabalhos sobre isso e pincei um mais recente, realizado na Universidade Estadual de Maringá, no Paraná. Ali, os pesquisadores compararam 30 usuários de maconha e 30 não usuários, todos entre 14 e 17 anos — uma faixa etária importante para o amadurecimento do sistema nervoso —, cursando a quinta série do ensino fundamental.
Apesar de a amostra ser pequena, como nós médicos dizemos — isto é, apesar de o número de participantes não ser muito elevado —, o estudo chama a atenção por um dado que achei bem interessante. Os adolescentes foram, claro, submetidos a todo tipo de teste de performance cognitiva. Entre quem fumava maconha, os resultados foram inferiores. Mas o que os pesquisadores paranaenses também demonstraram foi o seguinte: a cognição permanecia muito afetada mesmo quando o estudante tinha dado apenas algumas tragadas em um baseado 24 horas antes. Ou seja, no mínimo, o efeito negativo na capacidade de raciocinar dura um dia.
Outros estudos, porém, feitos mundo afora, sugerem que os prejuízos na capacidade cognitiva podem se tornar perenes quando o consumo é constante durante a adolescência. Seguem pela vida afora. Portanto, não dá para misturar as coisas: o fato de ser liberada em alguns lugares e de o seu dinheiro ser empregado para o benefício da população não é argumento para um jovem defender que fumar um baseado ou outro seja algo inócuo. Na adolescência, nunca é.
Sobre o autor
Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clínico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.
Sobre o blog
Aqui, Maurício de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.