O glaucoma pode surgir na adolescência por causa de remédios para a atenção
Maurício de Souza Lima
01/08/2018 04h00
Crédito: iStock
Glaucoma é uma neuropatia do nervo óptico, que muitas vezes ocorre quando a pressão interna do globo ocular sobe. Isso porque ele é preenchido por um líquido, o humor aquoso, que ou está sendo produzido em um volume acima do ideal ou não está sendo escoado como deveria, em um fluxo constante. Até há pouco tempo, essa situação de desequilíbrio era mais associada a adultos. Digo mais, a adultos em plena maturidade. Mas vou lhe contar que, hoje, ela também aparece em adolescentes. É o que eu apelido de glaucoma da modernidade e, com o perdão do trocadilho, precisamos ficar de olho nele. Afinal, essa é uma doença que, aos poucos, provoca uma degeneração do nervo ótico e leva à cegueira.
Sempre existiram casos de glaucoma em jovens. Já foram mais raros e têm a ver, na maior parte das vezes, com fatores hereditários. Quando vejo uma família em que praticamente todos os membros desenvolveram a doença, sei que é bom que o garoto cheque a sua pressão intraocular no oftalmologista. Precaução.
No entanto, o uso de determinadas medicações anda disparando o glaucoma na adolescência. É preciso ficar alerta principalmente quando o jovem toma algum remédio para tratar um déficit de atenção. Esse tipo de droga dispara a pressão sanguínea, que é outra história. E pode fazer a pressão intraocular, que nada tem a ver com a do sangue, dar um salto também.
O pior é que a moçada anda engolindo esses medicamentos de maneira indiscriminada, especialmente no período de provas. Ainda por cima, quem faz isso costuma tomar uma dosagem superior àquela que seria prescrita por um médico para tratar o déficit de atenção. Então, o perigo para os olhos só aumenta.
Assim como os adultos, os adolescentes não percebem o avançar desse mal silencioso, capaz de lhes roubar a visão, ao lesionar o nervo responsável de transmitir as informações sobre as imagens captadas pelo olhar ao cérebro.
Primeiro, quem tem glaucoma vai perdendo o campo visual e, sem se dar conta, compensa essa perda virando os olhos um pouco para cá e para lá. Na sequência clássica, em geral há pequenos acidentes. Sem querer, o adolescente derruba a jarra de água porque não a enxerga no canto da mesa. Ou bate o carro naquela coluna que, óbvio, sempre esteve na garagem. Ele não a vê também.
Quando escuto histórias assim e pergunto como andam as consultas no oftalmo, elas podem até estar em dia. Mas, se indago se a pressão intraocular foi aferida, a resposta geralmente é negativa. E isso precisa mudar.
O exame da pressão intraocular deve fazer parte da rotina do adolescente, sobretudo — vale repetir — se ele usa remédios para melhorar sua atenção ou se vem de uma família cheia de portadores de glaucoma. A doença pode ser controlada pingando colírios apropriados todos os dias. Mas, para que a estratégia funcione e a visão seja preservada, ela precisa ser aplicada o quanto antes. Não dá para bobear no diagnóstico por puro preconceito, achando que glaucoma é coisa só de velho.
Sobre o autor
Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clínico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.
Sobre o blog
Aqui, Maurício de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.