Anorexia e bulimia: como descobrir os transtornos alimentares no seu filho
Maurício de Souza Lima
25/07/2018 04h00
Crédito: iStock
É preciso sempre retomar o tema dos transtornos alimentares quando falamos da saúde dos adolescentes. Eles são um problema recorrente e grave, principalmente nas meninas — embora os meninos, ainda que em uma proporção bem menor, também possam ser vítimas da anorexia e da bulimia, os dois transtornos mais comuns.
Noutro dia ouvi que, nas escolas, a nova onda é a seguinte aposta entre as garotas: quem voltará mais magra das férias? Às vezes, esse tipo de competição é apenas resultado da busca incansável de um corpo idealizado, fenômeno que vemos por aí, com as pessoas correndo atrás de padrões estéticos praticamente inalcançáveis.
Essa busca, por si, já pode se tornar preocupante quando vira ideia fixa ou motivo de complexos entre os jovens. E tudo piora de vez quando se transforma em gatilho para o que chamamos de uma distorção da imagem corporal. É o caso da anorexia: por mais magra que a menina esteja, ela ainda encontra alguma gordura em seu corpo para perder. Para ela, o pneu na cintura que só seus olhos enxergam refletido no espelho é tão real quanto eu ou você.
A internet, em situações assim, pode alimentar a doença. É fácil para uma paciente encontrar receitas "mágicas" para emagrecer ainda mais ou se integrar a grupos nas redes sociais que idolatram a magreza ou incentivam a própria anorexia.
Muitas anoréxicas compram laxantes, vendidos na farmácia sem a necessidade de receita. Engolem tantos desses comprimidos que chegam a um ponto no qual o intestino já não consegue mais funcionar sem a ajuda desses remédios — e tudo bem que é difícil funcionar até mesmo porque as vítimas da anorexia mal se alimentam.
A família deve suspeitar quando a garota passa a inventar sempre uma nova desculpa para comer no quarto ou em outro canto, mas longe da mesa, na companhia de todos. No começo, a atitude parece mais uma mania normal de adolescente, prezando sua privacidade. Mas, afastada do olhar de todos, a jovem anoréxica come três grãos de arroz e, não raro, joga todo o resto da refeição na privada, puxando a descarga para que pensem que esvaziou o prato.
Outra pista importante: quem sofre de anorexia sabe na ponta da língua todas as características de qualquer alimento, do número de calorias à quantidade de fibras e tudo mais.
Mais um traço curioso, que até pode parecer estranho, é que muitas anoréxicas adoram cozinhar de vez em quando para os amigos e a família. E elas, em geral, nunca preparam pratos simples. Preferem receitas elaboradas, cheias de calorias — sobremesas, com bastante frequência — e sentem prazer quando observam os outros comerem aquilo que prepararam. Mas elas mesmas não provam nada. E, à sua volta, ninguém estranha porque é relativamente comum uma cozinheira deixar de comer aquilo que lhe consumiu horas e horas perto do fogão.
Quando alguém desconfia do quadro, a vítima da anorexia nega. Diz que está tudo normal, que ela nem está tão magra assim, que pode voltar a comer normalmente quando bem desejar… Mas, na minha opinião, um médico, sozinho, não dá conta de um caso desses. Muitas vezes o profissional escuta da jovem que ela prefere morrer a comer tal coisa. Ou seja, a morte é uma possibilidade real que a vítima da anorexia cogita. A vida fica em jogo.
Também é muito comum, no consultório, a paciente tentar burlar o momento de subir na balança. Costuma pedir para ser pesada de roupa, alegando que sente frio. Já vi casos de moças que usavam, sob a calça, caneleiras com peso, dessas de academia, para que os ponteiros aumentassem alguns quilos. A resistência ao tratamento é enorme.
Para a paciente, ninguém está tentando ajudá-la. Ao contrário, todos estão atrapalhando os seus planos. E sabe o que pode ser um tiro pela culatra? Pedir exames clínicos. Eles precisam ser feitos, claro. Mas o médico não deve confiar só nos resultados desses testes, porque eles costumam manter-se normais quando a doença ainda está na fase inicial. E já vi pacientes usando o laudo como uma espécie de troféu esfregado no nariz de toda família assustada com sua magreza repentina. Elas usam os exames para provar que estão ótimas de saúde e que tudo não passa de neurose alheia.
Por essas e por outras, a anorexia, como todos os transtornos alimentares, necessita de uma equipe multidisciplinar. Formada, no mínimo, por médico hebiatra ou clínico geral, psicólogo, psiquiatra e nutricionista. E a família precisa ser acompanhada também.
A bulimia já é diferente, mas merece atenção igual. A pessoa bulímica come bastante, consome depressa porções exageradamente grandes, como se estivesse com uma fome de leão. Ela simplesmente não se controla. Não basta uma fatia, porque deseja devorar o bolo inteiro. Não adianta pegar uma bolacha e, sim, acabar com o pacote. Depois bate o arrependimento e ela tenta eliminar tudo aquilo de uma vez. Então, ou passa cinco horas na academia ou toma laxantes ou, o que é mais comum, enfia os dedos ou objetos feito a escova de dente na garganta para vomitar o que comeu.
O dentista pode flagrar a bulimia na consulta de rotina, porque ela deixa a pista da erosão dentária provocada pelo vômito. Por ele ser muito ácido e frequente, acaba corroendo o esmalte dos dentes. Tanto na bulimia como na anorexia, o tratamento deve ser realizado por profissionais de várias especialidades atuando lado a lado. Só assim — e com a família por perto — terá sucesso.
Sobre o autor
Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clínico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.
Sobre o blog
Aqui, Maurício de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.