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Nem tudo é depressão: às vezes, a tristeza do adolescente é só uma tristeza

Maurício de Souza Lima

25/04/2018 10h04

Crédito: iStock

Infelizmente, temos ouvido casos de suicídio entre jovens adolescentes. E isso, claro, provoca apreensão em todos. Desperta, principalmente, a preocupação dos pais. O aspecto que eu gostaria de abordar aqui é que, diante dos fatos recentes (e lamentáveis), brota um certo pânico dos adultos quando percebem em seus filhos sinais que, até certo ponto, seriam típicos de uma adolescência absolutamente normal. Aliás, na Medicina, o fenômeno é até chamado de síndrome da adolescência normal. Eu me refiro a flutuações de humor típicas dessa fase.

Na adolescência — apostam os neurocientistas que o motivo seria uma imaturidade da região cerebral chamada córtex pré-frontal —, a garotada pode ir de uma extrema alegria à tristeza em questão de horas. Não se desespere. A menina pode chegar feliz da vida em casa até receber um WhatsApp e cair aos prantos. O menino trancado e emburrado no quarto, de repente pode sair de lá no maior ânimo e perguntar o que tem para o jantar. Enfim, o comportamento instável que, em um adulto, seria sintoma de distúrbio, nessa fase é esperado. Ressalto: até certo ponto.

Portanto, o pai ou a mãe não deve ficar exageradamente tenso se nota que o jovem se mostra cabisbaixo em alguns momentos ao longo da semana ou até apresenta um olhar triste em certas horas, todo dia. Esses instantes de tristeza — embora possam parecer horríveis — são normais, desde que façam parte de uma flutuação relativamente leve de humor.

Também não dá para ficar com muito medo se o jovem aparecer triste por algo que realmente aconteceu — a morte do cachorro da família, por exemplo. Seria bem pouco natural se o garoto ou a garota saísse saltitante de felicidade um dia depois de perder seu amigo de estimação ou sofrer qualquer outro baque, desses que as pessoas terão de enfrentar pela vida, em todas as idades.

A lâmpada amarela acende, porém, quando o adolescente mal quer sair de casa e a situação perdura — aí, mais do que tristeza, o que se nota é uma exaustão não só para estudar ou cumprir tarefas do dia a dia. Ela se manifesta como falta de ânimo para programas que, antes, pareciam prazerosos, acompanhada frequentemente de distúrbios do sono, alterações de apetite, mudança brusca de peso corporal e, não raro também, uma boa dose de desleixo com o corpo. O adolescente deixa de trocar de roupa, relaxa com hábitos de higiene, não faz a barba, mal escova os dentes… Isso quando não faz algo mais drástico, como adotar comportamentos autodestrutivos, feito se cortar.

Todos esses são sinais que, isoladamente, podem significar uma série de coisas. Mas quando surge um atrás do outro é bom prestar maior atenção. Aí, sem sombra de dúvida, temos um quadro de depressão. E a depressão é uma doença grave pra valer, que ameaça a vida — diga-se, em qualquer idade. Na dúvida, os pais precisam mesmo fazer o tira-teima levando o filho para uma boa avaliação de um médico ou de um psicólogo.

Por outro lado, os pais não podem se sentir ameaçados, encostados na parede se mandam o menino ou a menina estudar, por exemplo, percebendo que isso provocou um olhar não muito feliz. É, acredite: nessa onda triste de suicídio que vemos por aí , esse tipo de insegurança dos adultos tem se tornado bem frequente. Eles têm receio de que cobranças corriqueiras provoquem uma depressão. Mas não é bem assim.

Atenção: não estou aqui falando para desprezarmos os quadros depressivos. Também não quero culpabilizar as escolas, nem dizer que, em alguns casos, os pais não deveriam rever se o ambiente de determinado colégio está fazendo bem para o seu filho. Nada disso. Apenas quero chamar de volta o bom sendo e lembrar que, às vezes, a tristeza do adolescente é só uma tristeza. Que passará, como tantas que ele terá na vida. Talvez passará ainda mais depressa, se fizer parte da tal síndrome da adolescência normal.

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Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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