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Blog do Maurício de Souza Lima

Nem todos os jovens estão se adaptando ao ensino a distância. E agora?

Maurício de Souza Lima

08/04/2020 04h00

Crédito: iStock

Os pais reclamam, os filhos reclamam também: não é todo adolescente que está acompanhando de boa as aulas no esquema de EaD, ou seja, de educação a distância, a saída encontrada nesse período de escolas fechadas e isolamento social. Essa dificuldade, embora possa ter a ver com outras questões — da eficiência da plataforma escolhida pelo colégio à velocidade da internet na casa de cada um —, também está relacionada com a capacidade de adaptação não só do jovem, mas de toda a família. Guarde bem isso.

É uma realidade: aquele garoto ou aquela garota que sempre achou difícil manter a concentração diante do professor pode estar penando ainda mais agora. E nem por qualquer problema grave: existem pessoas que são mais dispersivas por natureza. E para esses alunos, no momento, não temos as alternativas clássicas para contornar o problema. Você sabe quais são — pedir para se sentarem nas primeiras fileiras, afastar na sala aqueles colegas que costumam conversar demais durante a aula, proibir o celular…

Aliás, já deixo de cara uma dica aos desconcentrados: uma estratégia eficiente para que a atenção fique no aprendizado é tirar o celular de perto, como se houvesse um professor de olho que não permitiria o seu uso. Parece simples, soa até a bobagem, mas já ajuda bastante.

Sem esses recursos para evitar que a cabeça do adolescente vá para o mundo da lua em vez de ouvir e fazer tarefas com atenção durante as aulas a distância, a coisa só piora. E piora pra valer porque, frequentemente, o espaço que o adolescente encontra para estudar em casa é compartilhado. Seja o quarto com o irmão ou com a irmã — que precisa ter aulas pelo computador também — , seja a sala onde todos os confinados da casa transitam a caminho da cozinha ou do banheiro enquanto o adolescente está entre uma fórmula de física e uma regra da gramática. Difícil, inegavelmente difícil.

Dá para complicar? Dá. Complica quando a gente pensa que ninguém sabe, com precisão, quando esse cenário deixará de ser necessário. A incerteza — em uns mais e em outros menos — aumenta bastante a ansiedade. A ansiedade, por sua vez, diminui o foco. E, não raro, o adolescente ainda precisa lidar com uma série de frustrações muito específicas da faixa etária e do momento escolar.

A possibilidade de perder as férias de julho é uma delas. Nessa altura, para muitos já caiu a ficha — ainda bem! — que quarentena é diferente de sair de férias. É ficar em casa em vez de viajar com família e amigos ou de ficar na cidade, mas totalmente livre para ir a casa de amigos, cinema, balada, o que for. Quarentena não tem, nem de longe, a mesma graça.

Outros jovens, percebo, estão tensos porque estudavam para prestar algum vestibular no meio do ano — e agora se perguntam como fica todo o esforço dos últimos meses enquanto permaneceram debruçados sobre livros. Ninguém sabe dizer.… Aliás, ninguém sabe a resposta para centenas de questões, inclusive como ajudá-los a estudar a distância. E assim a situação vai se tornando um emaranhado complexo.

Aliás, mais um agravante seria justamente esse: os pais estão, compreensivelmente, inseguros também, sem um repertório de possíveis soluções. É tudo inédito. Tudo muito novo. Para todos. E observo que isso aumenta o estresse dos adolescentes.

Por mais que eles vivam desafiando os adultos, no fundo esperam que pais ou responsáveis tragam alguma resposta, sugestões de saída até para a tal dificuldade para estudar online — nem que seja para discordar da alternativa que lhes for apresentada. Só que, desta vez, nem isso está acontecendo. Se o jovem está perdido longe da escola, ele olha para o lado e encontra um adulto mais perdido ainda muitas vezes.

Jamais falaria para os pais fingirem uma segurança inexistente, jogando suas incertezas sob o tapete — entre elas, provavelmente, a de se os filhos conseguirão tirar proveito de uma educação a distância. Com todo mundo ansioso e estressado, a convivência fatalmente se torna uma tormenta. Em uma casa que, de alguma maneira, agora também é escola. E, de quebra, o escritório do pai ou da mãe. Ou dos dois.

Qual a saída? Estamos juntos nas incertezas. O que sugiro de prático, nessa travessia que temos adiante, é que todos realizem um movimento de adaptação. As pessoas não podem ficar passando no ambiente onde o adolescente está estudando naquelas horas de aulas ou lições, por exemplo. Não podem — e isso é sério. Do mesmo modo, os adultos devem estabelecer espaços de trabalho dentro da casa que precisam ser igualmente respeitados. Quando é o mesmo lugar para todos, então vale até criar uma agenda com os horários de ocupação de cada um.

E, ao lado do silêncio respeitoso quando o outro precisar se concentrar em uma tarefa, não poderemos nos esquecer da tolerância.

Ora, se escrevo tantas linhas é para que a gente possa parar um pouco e pensar que a família confinada sob o mesmo teto vive uma enorme angústia de adaptação — ao EaD ou, que seja, ao home-office. E minha única aposta é que se sairão melhor dessa etapa desafiadora de quarentena e coronavírus aqueles que conseguirem adaptar o seu dia a dia, porque uns não estão atrapalhando os demais.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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