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Blog do Maurício de Souza Lima

Jovens, existe vida após o Carnaval: exagerar na folia pode trazer doenças

Maurício de Souza Lima

12/02/2020 04h00

Crédito: iStock

Parece que o mundo vai acabar na Quarta-Feira de Cinzas. Até lá, o organismo precisa enfrentar quatro, cinco, seis dias de uma maratona exaustiva. Ora, ele mal dorme, porque é festa noite e dia. Aceita como refeição qualquer lanche vendido na rua, quando muito, e ingere seja lá o que for completamente fora do horário habitual de comer. Ao mesmo tempo, gasta uma energia danada, porque não para de se movimentar atrás da bateria, do bloco, do trio. Isso não é para qualquer um —mesmo que esse indivíduo seja um adolescente, aparentemente cheio de ânimo.

A falta de energia suficiente fornecida pela dieta somada ao relógio biológico desregulado pela quebra dos horários para se alimentar e ir para a cama e, ainda, à ação dos hormônios do estresse liberados em doses extras porque não se dormiu o bastante, tudo isso atrapalha o sistema imunológico. Inevitavelmente. Deixa de ficar de prontidão. Dorme, ele sim, no ponto diante de uma infecção oportunista qualquer. Aliás, são muitas as infecções que costumam se aproveitar da folia. 

A gripe causada pelo vírus influenza é uma delas, embora não seja exatamente a época do seu apogeu entre nós, brasileiros. Os resfriados, provocados por uma série de outros vírus, são bem mais comuns. Não podemos deixar de lado, também, o risco de uma mononucleose, a famosa doença do beijo, que faz a garganta arder e o corpo ficar tomado de manchas vermelhas. Em alguns pacientes o mal-estar chega a durar mais de dez dias.

Há, aliás, um aspecto bem curioso a respeito da mononucleose: depois que alguém pega essa infecção, ele nunca mais se livra do vírus causador, que pode ficar morando na amígdala, por exemplo, e de tempos em tempos infectar outras pessoas, mesmo quando não provoca sintomas. Existe ainda uma alta probabilidade de um rotavírus agir no Carnaval e ele causa desarranjos intestinais terríveis. Essas infecções, creio, são as principais ameaças da festança de fevereiro. Mas a lista é sem fim.

Nos dias atuais, com tudo o que está acontecendo na China, as pessoas estão falando muito no coronavírus —elas se perguntam se ele vai ou não vai tirar proveito do vacilo imunológico do nosso Carnaval. Acho difícil. As autoridades sanitárias do Brasil já estão tomando todas as precauções necessárias. Mas isso não quer dizer que os foliões chegarão intactos ao fim da festa. 

No mínimo, podemos esperar por muitas dores de garganta, já que essa área fica mais exposta e costuma ser uma das primeiras a se ressentir da queda da imunidade, como se as amígdalas fossem armadilhas aos invasores. E, óbvio, se essa dor não passar depois de dois ou três dias, melhor procurar um médico para ver do que se trata e até afastar a hipótese de uma bactéria ter entrado na jogada pela brecha carnavalesca, merecendo ser combatida com antibióticos vendidos com prescrição.

O clima do Carnaval, propriamente dito, também não ajuda em nada. E não só pelo aglomerado de gente, pelo contato físico, pela troca de beijos e saliva. O sol costuma bater na testa sem trégua. E, se chove e esfria a temperatura ambiente do nada, a situação até piora para o sistema imune, já colocado à prova demais para dar conta de oscilações no termômetro. O calor tem ainda outro efeito que não afeta diretamente as células de defesa, mas que atrapalha o bem-estar: a desidratação. 

A perda de líquidos acontece em parte pelo suor e  em parte é provocada pelo consumo de álcool —lembre-se, toda bebida alcoólica desidrata. Às vezes, a desidratação associada ao esforço físico, à falta de sono e, claro, ao calor do nosso verão faz a pressão arterial despencar. E, daí, pode acontecer do jovem desmaiar. Claro, melhor chamar por socorro nessas horas, até para se certificar se foi um episódio de pressão baixa mesmo. Pode ser algo mais grave… Mas, quando é o caso, o melhor a fazer —orientem seus filhos — é deixar a pessoa deitada e, se possível, até erguer ligeiramente suas pernas. O desmaio é uma defesa para garantir que o sangue, sem a pressão adequada, consiga subir à cabeça para irrigar o órgão vital que é o cérebro.

Óbvio, o melhor mesmo é nunca perder os sentidos. Mas essa possibilidade aumenta na mesma medida em que a desidratação avança. E ela ainda pode ser agravada pelo consumo frequente de energéticos. Sim, cheios de cafeína, as tais bebidas energéticas também fazer o corpo perder muita água e, pior, mascaram o cansaço — aliás, são engolidas exatamente por isso, não é mesmo? Mas mascarar, como o próprio verbo indica, é tapar o sol com o peneira. O esgotamento físico, por menos que seja percebido, continuará a crescer, debilitando mais e mais o organismo. E assim voltamos ao sistema imunológico…

O que fazer? Perder o Carnaval parece não ser opção para os adolescentes que gostam de sair no bloco e querem curtir cada dia de festa… Cada dia? Cada dia mesmo? O ideal, se me perguntarem, seria escolher um deles para o descanso ou preservar as noites para acordar renovado e vestir a fantasia na manhã seguinte. O corpo precisa de tempo. Repito: é esforço demais.

Para quem acha que aguenta, fazer refeições leves antes de sair é obrigatório, incluindo sucos, vegetais e frutas, além de fontes de carboidrato para dar mais energia. Repor líquido é inegociável, diria fundamental. Não abusar do álcool, nem do energético, até para ter a possibilidade de sentir a própria fadiga. E, claro, respeitá-la. Há vida depois do Carnaval e é bom estar firme e forte para também aproveitá-la.

Em tempo: com imunidade firme e forte ou não, todos devem usar camisinha sempre, sempre, sempre na hora do sexo. As infecções sexualmente transmissíveis continuam por aí, de fevereiro a fevereiro, e nunca estão para brincadeira.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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