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Blog do Maurício de Souza Lima

Nada inocente, o cigarro eletrônico sem nicotina pode inflamar as artérias

Maurício de Souza Lima

28/08/2019 04h00

Crédito: iStock

Surge um outro estudo sobre os malefícios do cigarro eletrônico, só que este, por alguns motivos, chamou ainda mais a minha atenção. Ele saiu agora em agosto no jornal do American College of Radiology, assinado por cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. E, para começo de conversa, usou a versão sem nicotina do dispositivo. Ora, veja bem, se fosse para meter o pau na nicotina, não haveria tanta novidade na minha opinião: todos nós sabemos bem os prejuízos que ela pode causar à saúde. Mas tudo leva a crer o aerossol do cigarro eletrônico já faça um mal danado, eis a bomba.

Aí você pensa: faz mal aos pulmões, certo? Ora, também é sabido que, ao suspender partículas finíssimas e levá-las até o interior desse par de órgãos para que se acumulem ali, o aerossol presta um grande desserviço às células pulmonares. Ou seja, não teria muita novidade também. No entanto, os pesquisadores da Pensilvânia miraram em outro canto: eles foram examinar como os vasos sanguíneos de todo o corpo reagiriam após as tragadas no cigarro eletrônico e — surpresa! — o fato é que eles ficaram mal na foto. Em outras palavras, ficaram tremendamente inflamados, mesmo sem a presença da famigerada nicotina.

O estudo tomou o cuidado de recrutar voluntários absolutamente saudáveis e não fumantes de qualquer espécie de cigarro, que nem sequer tinham usado a versão eletrônica antes só por mera curiosidade. Esse é um detalhe que faz total diferença, porque assim os cientistas conseguem provar que a inflamação nas artérias, constatada por exames de ressonância magnética, provavelmente foi causada pelo tal do aerossol mesmo. 

Os autores sugerem que sejam feitos mais pesquisas para comprovar essa ação, mas só essa pulga que eles colocam atrás de nossas orelhas já é bastante preocupante, em especial quando a gente pensa na saúde dos jovens. Isso porque há uma verdadeira explosão no uso de cigarro eletrônico entre eles, de 2015 para cá. O fenômeno é observado no mundo inteiro. E cá entre nós: suponho que a situação seja até pior, porque os adolescentes costumam tragar a versão com nicotina.

No entanto, é possível que muitos experimentam o cigarro eletrônico sem essa substância, achando que, assim, isso seria quase uma brincadeira inócua. Não é.

Em escolas paulistas com as quais tenho contato, observa-se o hábito de fumar cigarros eletrônicos às escondidas na faixa precoce dos 11 anos de idade, o que está levando muitas instituições a criar campanhas mais severas de controle e iniciativas para alertar pais e alunos.

O cigarro eletrônico, que vende a ideia enganosa de ser mais saudável ou, vá lá, menos prejudicial do que o cigarro convencional, tem se tornado cada vez mais o primeiro contato dos adolescentes com o tabagismo. Primeiro, o menino experimenta o do amigo. Depois, quase como sinal de status na tribo, consegue ter o próprio cigarro eletrônico, que faz questão de levar para as festas nos finais de semana. E, quando vê, está fumando todos os dias.

O interessante é que o tal cigarro roda pela boca de dez, quinze ou mais amigos nas baladas. Daí que, por ironia, a mononucleose infecciosa, que já foi conhecida como a doença do beijo — transmitida pela saliva, ela causa febre, sensação de cabeça prestes a explodir e uma dor de garganta fortíssima —, está ganhando nestes novos tempos um novo apelido nos consultórios que atendem adolescentes. Ela agora é a doença do cigarro eletrônico, sendo o menor dos males perto do que esse mau hábito pode causar à moçada.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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