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Blog do Maurício de Souza Lima

Quando os jovens estão maduros para o estresse inicial de um intercâmbio?

Maurício de Souza Lima

05/09/2018 04h00

Crédito: iStock

O mundo está cada vez menor. As pessoas andam circulando para lá e para cá e, nessa onda, tornam-se cada vez mais comuns os intercâmbios —estudar em outro país, por um determinado período, até para aprender uma segunda língua. Isso é muito bom, desde que alguns cuidados sejam tomados, principalmente pensando na idade do adolescente que está indo viajar.

Alguns adolescentes são mandados para essa aventura em uma idade mais precoce —o que, sei, é relativo, variando de pessoa para pessoa qual seria a idade ideal. Mas o fato é que alguns ainda não têm maturidade o suficiente para viver essa experiência. Será um clima diferente, vai anoitecer bem mais cedo ou bem mais tarde, ele estará diante de outra cultura, a comida terá outro tempero… Claro que toda essa diferença pode se traduzir em uma vivência que levará, ela própria, a um amadurecimento muito positivo do jovem. Mas, antes embarcar, ele já deve ser minimamente maduro também.

Além disso, a gente precisa lembrar que o próprio intercâmbio mudou. Antigamente os jovens viajavam para ficar em uma casa de família, tornavam-se amigos. Existia até uma mania, que hoje soaria estranha, de falar "o meu pai americano" ou "o meu irmão canadense", por exemplo —quase como se tivessem sido adotados pela família estrangeira ao longo do  período da viagem. Só que hoje o intercâmbio tem mais um espírito de negócio para quem recebe os jovens, que obviamente ganha um dinheiro com isso.

As agências de intercâmbio fazem contratos com essas famílias, exigindo determinados padrões de higiene, número de refeições e critérios de acomodação. Só. Ponto. Aí o menino chega e se frusta; "Ah, pensei que fossem me levar para conhecer a cidade". Nada disso. Se não está no contrato, qualquer passeio na acolhida é mais uma questão de sorte.

Já tive paciente que foi recebido em uma casa na qual a família perguntava no café da manhã se ele queria pão ou chá, uma coisa ou outra. Claro, é um caso extremo, mas pode acontecer esse tipo de situação, além de uma certa frieza, uma certa apatia. E aí a primeira pergunta deve ser: o adolescente está mesmo pronto para enfrentar esse mundo novo e se virar de boa? Sabe pedir para trocar de casa, se algo não estiver realmente legal? Ou, digo mais, sabe pedir para trocar de casa somente quando não der mesmo para continuar?

Alguns pais optam, preocupados justamente com esses percalços, por escolas com alojamentos para intercambistas. Aí também é preciso maturidade, especialmente para respeitar todas as regras, deixando-as bem claras aos filhos —porque, vamos combinar, o que um adolescente mais gosta é de quebrar um código. Conheço casos de meninos que não obedeceram à norma de só saírem do campus com supervisão. Acharam que já eram adultos o suficiente para chamar um táxi e passear no intervalo da aula.  Foram pegos e tiveram de voltar para o Brasil antecipadamente. Iam ficar fora um mês e, no entanto,  estavam de volta em cinco dias. Imagine o prejuízo! 

Por falar em transgressão, eles conviverão com jovens de países diferentes, todos longe das famílias e, aí, além das escapadas, podem surgir oportunidade para beber, fumar, usar drogas. Os pais devem reforçar suas recomendações.

E outra coisa: os pais também precisam ter calma. O estresse de adaptação, até mesmo para os adolescentes mais maduros, pode ser grande. É comum o menino ou a menina pedir para voltar na primeira semana. Ou chorar desesperado. Ou dar a impressão de que está muito mal acomodado. É preciso peneirar as informações que os filhos dão, coisa que muitos pais ansiosos não sabem fazer —e, com isso, às vezes até acabam cedendo à ideia de interromper o programa. Um jeito de filtrar é, por exemplo, depois de ouvirem todas as queixas, devolver a pergunta: será que não teve mesmo nada de bom no seu dia? E assim ajudar o filho, distante, nessa adaptação em vez de passar a mão na cabeça e chorar junto.

O interessante é que, em 99% dos casos, os adolescentes terminam a experiência muito adaptados e até lamentam o seu fim. Mas, repito, é preciso dar esse tempo de adaptação. E sua duração é diretamente proporcional à maturidade de cada um. Esse é o questionamento que todos devem fazer. Não é porque os colegas de sala estão partindo para um intercâmbio que necessariamente chegou a hora do seu filho embarcar nessa aventura. Conforme a sua cabeça, ela pode ficar para o ano seguinte, quem sabe. E, daí sim, será plenamente aproveitada.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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