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Blog do Maurício de Souza Lima

O perigo da hemorragia depois que a adolescente faz um aborto clandestino

Maurício de Souza Lima

22/08/2018 04h00

Crédito: iStok

Deixo claro nas primeiras linhas: minha intenção não é me posicionar contra ou a favor do aborto. Mas não podemos negar que ele acontece todos os dias no Brasil e, por ser proibido por lei, por dedução lógica, acaba sendo realizado sem o devido monitoramento nem acompanhamento médico. Então, minha pretensão com este texto é apenas apontar a grande ameaça à saúde física que uma adolescente corre quando faz um aborto nessas condições — diga-se, condições que, muitas vezes, são bastante precárias.

Na realidade brasileira, a gente vê de tudo nos pronto-atendimentos — desde garotas que se submeteram a raspagens do útero em clínicas clandestinas às que usaram medicações que nem existem nas nossas farmácias, mas que são encontradas com facilidade no mercado negro, passando pelo uso de agulhas de tricô, ainda muito empregadas por aborteiras que atendem, principalmente, populações mais vulneráveis. Não raro, nesses casos, o útero termina perigosamente perfurado pelas agulhadas.

Acho que nem precisaria dizer, mas não custa reforçar: um risco considerável é de, durante qualquer procedimento mais invasivo, a garota contrair uma infecção grave, porque decididamente os locais onde o aborto é praticado às escondidas não primam pela higiene. Mas há outro perigo e este é comum a qualquer método abortivo, sendo a principal causa de mortes quando, em desespero, sem contar para ninguém, a adolescente grávida busca essa saída.

Quando eu trabalhava no departamento de ginecologia de um hospital público, cansei de ver meninas, em plena adolescência, dando entrada  com um sangramento intenso e, na triagem, diziam que não sabiam por que motivo estavam passando mal daquele jeito. Mas, longe dos adultos, admitiam aos médicos que tinham, por exemplo, ingerindo alguma droga para abortar.

O comprimido mais usual que as garotas procuram para acabar com uma gravidez indesejada é um remédio que serve para outra finalidade, cujo efeito colateral é causar uma contração extremamente forte no útero, capaz de expulsar o embrião ou o feto. Como disse, ninguém encontra o medicamento nas farmácias brasileiras, mas, quando buscam, as jovens gestantes descobrem quem vende a droga até pela internet. Elas costumam engolir dois comprimidos e, ainda, introduzir outros dois na vagina.

Seja qual for o método, o sangramento após um aborto costuma ser muito intenso. E para piorar, em geral, ninguém está de olho porque ninguém sabe o que está se passando — no máximo, uma amiga que tem a mesma idade. A menina tenta esconder a situação dos adultos, vai se deitar com dor e — aí é que está a cilada — pode perder tanto sangue a ponto de não conseguir nem sequer se levantar para pedir socorro. 

Quando alguém nota o que está acontecendo com aquela garota e a encaminha para um hospital, muitas vezes já é tarde demais. Ocorre o que chamamos de choque hipovolêmico, situação de emergência em que falta volume de sangue correndo nas veias e artérias o suficiente para abastecer os órgãos vitais e o coração bombear.

Em casos de hemorragia intensa, a paciente que abortou precisa tomar o mais depressa possível até bolsa de sangue para sobreviver. Mesmo quando a situação não chega a esse drama, a anemia pela perda de um grande volume sanguíneo é inevitável e precisa ser tratada também.

Daí que, pelo sim ou pelo não, é importantíssimo que os pais, ao perceberem que a jovem está com uma cólica fora do normal e, ao mesmo tempo, com um sangramento extremamente forte, procurem um médico sem perda de tempo. Claro que os dois sintomas, isolados, não significam necessariamente que a filha fez um aborto. Mas vale desconfiar e até perguntar, porque a vida está em jogo. Pode ser que a menina nem responda ou negue. Melhor deixar para ver direito a causa depois que o susto passar. O fundamental, independentemente de qualquer coisa, é levá-la correndo ao atendimento médico, sim.

Aproveito para alertar que o sangramento é um sintoma menosprezado.  Saiba: a gente nunca pode deixar para lá qualquer perda de sangue contínua,  seja pela vagina, como no caso aqui, ou até pelo ânus,  se alguém tem uma hemorroida ou pólipo no intestino, que são outra história. Aprenda que o nosso organismo não foi feito para sangrar, tirando a situação esperada da menstruação com um fluxo normal. No mais, se há perda de sangue, ela é sempre um sinal de alerta. Que, no caso de um aborto, se for ignorado ou entendido como apenas  uma menstruação mais forte, coloca a vida da menina em risco máximo.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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