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Blog do Maurício de Souza Lima

Menino ficar com menino e menina ficar com menina: experimentar é comum

Maurício de Souza Lima

04/04/2018 04h00

 

 

Menino ficar com menino é normal

Crédito: iStock

A experimentação da relação homossexual na adolescência não é exatamente uma novidade. Ela sempre existiu. Talvez agora tenha se tornado mais comum ou mais escancarada. O fato de uma menina ficar com outra menina ou de um menino ficar com outro menino, porém, não quer dizer que essa será a orientação sexual na vida adulta.

A garotada está lidando com a iniciação de sua vida sexual de uma maneira um pouco mais fluida. Com alguma frequência, escuto que, na balada, o menino sugeriu a duas garotas a ideia de dar um beijo triplo. E, para eles, tudo bem.

Cada vez fica mais claro — e, se ainda não está claro para alguns adultos, os jovens  insistem em lhes mostrar — que a sexualidade é uma grande paleta de cores. Ora, provavelmente, você já sabe disso. O que quero ressaltar, porém, é que as pessoas podem se movimentar nessa paleta. Especialmente na adolescência. Uma hora estão em uma nuance. Noutra hora, podem estar em outra. Respire: nada talvez seja para sempre. Nem uma boa experiência hétero.

Não dá para dizer que, se um adolescente tem um comportamento sexual ali, ele agirá daquele jeito para sempre. Não digo isso para acalmar pais aflitos nem afligir pais calmos. Muito menos para alimentar alguma fantasia.

Entre aquele rapaz ou garota que é estritamente homossexual e o que se comporta como estritamente heterossexual, encontramos dezenas de possibilidades e a juventude anda testando todas. Até porque os adolescentes conversam bastante sobre esses temas entre eles e, na realidade, já saíram da infância e entraram nessa fase da vida sabendo muito mais sobre sexo do que a geração de seus pais.

Basta a gente se lembrar que, na era das vídeo-locadoras, muitas delas tinham salas exclusivas para abrigar os vídeos proibidos para menores de 18 anos. Hoje, toda essa filmografia está na telinha do celular e o celular está presente desde cedo. Mas, claro, não é só isso. Uso os filmes como parâmetro. Conta também a velha história de pertencer à tribo. Se o amigo experimentou beijar o outro amigo, se a amiga também ficou com outra…

Os pais, primeiro, não devem espernear. Devem — como sempre falo — botar os seus limites. Nunca no sentido de impedir determinado comportamento, mas deixando clara a fronteira a partir da qual não se sentem confortáveis. Por exemplo, dizendo ao filho que não querem chegar na sala e vê-lo beijando o amigo simplesmente porque não se sentem à vontade. É um direito que deve ser respeitado — e o jovem, que não quer ser julgado, precisa aprender que também não deve julgar os mais velhos que têm outra cabeça. No entanto, é óbvio: a sexualidade do filho é do filho. A sexualidade da filha é da filha. E eles podem fazer dela o que bem desejarem.

Uma reação comum dos pais, quando descobrem que o garoto ou a garota ficou com alguém do mesmo sexo, é determinar: meu filho ou filha é gay. Ora, pode ser que sim. Pode ser que não. Ele (ou ela) pode ser bissexual, por que não? Já pensou nisso?

E, tão frequente quanto o olhar taxativo sobre o episódio, é a culpa. Surge sempre a indagação clássica: onde foi que eu errei? Seguida por: será que fiquei ausente demais trabalhando? Será que deveria ter levado mais ao futebol? Comprado mais bonecas? Nada disso faz sentido: não há culpa de ninguém, muito menos do jovem que começa a vivenciar a sua sexualidade. E olha que escuto esses questionamentos até mesmo de casais que, aparentemente, têm uma mente mais aberta, por assim dizer.

Na hora agá, quando descobrem que o filho ficou com alguém do mesmo sexo, a história é outra. Vem com muita força o medo de o filho sofrer. Esse medo está sempre presente. Por mais que hoje as discussões sobre a sexualidade sejam mais abertas e amplas, uma grande preocupação dos pais ainda é a de que o seu adolescente acabe alvo de comentários maldosos. Ou, bem pior, de violência física. A gente infelizmente vê casos assim noticiados todos os dias. Ainda existe, sim, muito preconceito.

Então, quer ser um pai legal, uma mãe bacana? Oriente seus filhos adolescentes nas questões de segurança. Tanto alertando-os para prevenir uma infecção sexualmente transmissível — que pode ser contraída em relações héteros também, é  claro — quanto pedindo que evitem muitas demonstrações de afeto em lugares estranhos, ruas escuras, longe dos amigos. Faça isso com a mesma naturalidade com que lhes ensinou a olhar para os dois lados antes de atravessar uma rua.

E nada de, no bate-papo, ficar insistindo no caminho forçado de uma heterossexualidade com argumentos como "você ainda nem namorou direito uma menina para saber como é" ou "no dia em que você, minha filha, conhecer um cara legal…"

Note que esse tipo de comentário é, no mínimo, infrutífero. Nenhum conselho de pai ou de mãe muda a orientação sexual de ninguém. E volto a dizer: pode ser que seu filho adolescente não seja hétero, pode ser que não seja bi, pode ser que não seja homossexual… Nessa fase é tudo um "pode ser". Espere. Nem todos os jovens já têm clareza de sua orientação. É justo, então, que busquem.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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