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Blog do Maurício de Souza Lima

Vale a pena prescrever remédios para melhorar a atenção dos adolescentes?

Maurício de Souza Lima

31/01/2018 04h00

remédio para adolescente

Imagem: iStock

Hoje em dia, vemos muitos jovens tomando remédios para DDA, o déficit de atenção, ou para TDAH, o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Não podemos nos esquecer que esses remédios para melhorar o foco dos pensamentos obviamente agem no cérebro. E, portanto, são substâncias que nós, médicos, chamamos de psicoativas. Na minha especialidade, a medicina do adolescente ou hebiatria, esse termo sempre faz acender uma lâmpada amarela.

Ora, sabemos que essas drogas, mesmo quando são indicadas para um problema que foi diagnosticado corretamente, podem desorganizar completamente as sinapses entre os neurônios, que ainda estão em plena formação, processo que só se completa por volta dos 25 anos de idade. Daí, essa desordem se perpetua, provocando uma série de dificuldades na vida adulta — isto é, para sempre — que, muitas vezes, as pessoas nem associam ao uso da medicação.

Então, os remédios para DDA e TDAH não são bem-vindos na adolescência? Não digo isso. Vai depender de uma série de fatores. É preciso ser muito criterioso. Alguns jovens realmente apresentam problemas de atenção, que têm um impacto negativo tremendo tanto na vida escolar quanto na social. É o caso, então, de pesar de um lado os prejuízos que a falta de atenção está provocando no dia a dia — de ter zero condição de acompanhar as aulas a obstáculos para fazer amizades — e, de outro, os efeitos colaterais esperados desse tipo de medicação. Vale a pena? Essa é sempre a pergunta que a equipe de profissionais de saúde envolvida deve se fazer.

Para começo de  conversa, todos os remédios para o déficit de atenção — todos, sem a menor exceção — provocam um aumento da pressão arterial. E não se engane: apesar de ser um adolescente, você precisa ficar monitorando a quantas ela anda, especialmente se há casos de hipertensão na família.

Aumenta também a pressão interna dos olhos, situação capaz de desencadear um glaucoma —  doença em que as células nervosas no fundo do globo ocular vão sendo esmagadas e destruídas aos poucos e elas são as responsáveis pela visão. Esse é o tipo de doença causadora de cegueira que costuma ser rastreada mais na vida adulta. No entanto, o jovem que faz uso de remédios para déficit de atenção é exceção. Ele precisa de consultas mais frequentes no oftalmologista.

Outros jovens podem sentir um aumento muito grande da ansiedade com os remédios para melhorar a atenção. Por isso, mesmo nos casos em que  o uso de medicamentos parece fazer sentido,  a família precisa ficar de olhos abertos e manter o diálogo com o médico para ajustar a dosagem. Os ajustes são sempre necessários, até que o especialista encontre a menor dose possível que já seja capaz de fazer o efeito desejado naquele menino ou menina.

Não sou contra medicar. Mas não sou completamente contra medicar de maneira indiscriminada. E volto a bater na tecla: ao meu ver, prescrever sem critério não é apenas indicar o remédio naqueles casos em que um jovem é por natureza mais agitado, sem ter qualquer transtorno de atenção para valer. Às vezes, vamos combinar, a distração é apenas mais um traço da adolescência. E, sim, há um excesso de diagnósticos equivocados. No entanto, mesmo se for um caso legítimo de DDA ou de TDAH, ser criterioso na hora de avaliar os reais benefícios de uma droga.

Para completar, muitos adolescentes conseguem comprar esse tipo de medicação até mesmo sem receita. Geralmente, observo esse comportamento infeliz entre os mais velhos, que buscam entrar na faculdade ou que já estão dentro da universidade. É cada vez mais comum vê-los apelar para essas substâncias na semana de provas, como se elas fossem capazes de melhorar seu desempenho e aumentar a nota, deixando-os mais ligados. Bobagem. O uso esporádico talvez nem provoque esse efeito todo e, com certeza, continuará oferecendo os riscos. Melhor tirar essa ideia da cabeça e deixar essa medicação para quem, de fato, não pode ficar sem ela.

Sobre o autor

Maurício de Souza Lima é hebiatra, ou seja, um clí­nico geral especializado na saúde de adolescentes. Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, é autor do livro “Filhos Crescidos, Pais Enlouquecidos” (Editora Landscape), vencedor do Prêmio Jabuti em 2007.

Sobre o blog

Aqui, Maurí­cio de Souza Lima pretende abordar de maneira leve e objetiva todas as questões de saúde que podem preocupar ou despertar a curiosidade dos próprios adolescentes e dos seus pais. Aliás, prefere dizer que irá falar sobre a saúde da juventude, lembrando que oficialmente a adolescência começa aos 10 anos, mas em tempos modernos, na prática, pode se estender para bem mais de 21 anos.

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